10 de janeiro de 2012

Eu era a pedra

…..Nunca mais verei aquele rosto. Nem lembro do rosto do indivíduo. Mas a minha desculpa lançada ao vento eu nunca me esquecerei na vida de minhas retinas recicláveis.
…..Eu também estava com pressa. Eram tão poucas horas para ver tantos livros, comprar alguns, ler poucos. A Bienal do Livro é um formigueiro recebendo um ataque humano. Uma visão superior veria milhares de pontinhos enfileirados movimentando-se com pressa e veria também um homem esbarrando em mim. Ou eu esbarrei nele? Na dúvida, virei para trás e joguei um pedido de desculpas com um sorriso amigável. Minhas desculpas esbarraram na multidão, caíram no chão e foram pisoteadas por todos que passavam. Quem esbarrou em mim? Podia ter sido qualquer um ali, pois todos se esbarravam e não olhavam para trás. Talvez pensavam um xingamento ou olhavam o relógio para contar os segundos perdidos ou esbarravam em outra pessoa para se vingar ou apenas seguiam indiferentes aos esbarrões.
…..Parei. Ninguém me notou parado. Eu era apenas um obstáculo em que se dava a volta, ou se esbarrava, sem olhar para trás. Tirei os olhos da multidão, a sua falta de sorriso (a não ser das crianças e dos vendedores) estava tirando o meu também. Desviei os olhos para uma pequena livraria lotada de livros de autoajuda. Ajuda mãe, ajuda pai, ajuda mulher, ajuda chefe, ajuda empregado e o sujeito não olhou para trás para receber minhas desculpas. Um livro a menos daquela estante seria vendido se ele olhasse para trás, e sorrisse.
…..Minhas retinas recicláveis logo acharam novas coisas para se impressionar: livros digitais ao lado de livros de papel ao lado da máquina de escrever do Monteiro Lobato. Destes acontecimentos sempre vou lembrar porque foram todos fotografados. Se perder as fotos, talvez eu esqueça muito do que vi. No entanto, nunca me esquecerei que no meio do caminho, eu era a pedra.

 

brincando de poeta renan pacheco no meio do caminho eu era a pedra crônica bienal do livro são paulo

Um comentário:

  1. Notável passagem por São Paulo, onde cada um é a pedra de cada outro.

    Mas poucos percebem isto, é verdade.

    Abraço, Renan!

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